quinta-feira, abril 27

Ética em quatro dedos de prosa ...


com Delamar José Volpato Dutra*

Blog: Qual a diferença entre moral e ética?

Delamar: Há vários autores que fazem distinção entre ética e moral, mas tecnicamente não tem uma diferença entre esses dois termos, porque ética vem do radical grego ethos e os latinos traduziram o termo ethos, por mores, costume. Então ética e moral será o mesmo.

Isso não significa que você não possa distinguir entre uma moral vigente numa dada sociedade e uma reflexão filosófica, que deve buscar algum tipo de fundamentação, que deveria ser válida para qualquer sociedade.

E aí você pode chamar esta atividade de fundamentação da moral, de ética, ou mesmo moral, e isso deveria ser distinguido das regras costumeiras que uma determinada sociedade tem.
A diferença entre ética e moral existe, só não sei se os termos devam ser empregados nesse sentido.

Blog: Quando Sócrates perguntou o que é o bem, ele estava inventando ou descobrindo a ética?

Delamar: O âmbito da meta-ética tenta resolver um pouco esse problema. A primeira distinção que a meta-ética faz é entre a natureza dos juízos que seriam empíricos, descritivos, da ciência, e que teriam um estatuto antológico, e a natureza das proposições morais, que não seriam dessa natureza, mas de outra.

Então o âmbito dos valores e da ética não seria o âmbito de objetos do mundo. Bom, se eles não são âmbito de objetos do mundo, então eles não são descobertos. Estaria mais inclinado a dizer que são criados [pelo sujeito].

Mas essa criação tem que ser posta nos seus devidos termos, porque você pode entender também que os critérios estão operantes, seja na sociedade, seja na linguagem enquanto tal. E alguns autores vão dizer que esses critérios já estão operantes na própria racionalidade humana, que embora eles não sejam empíricos, portanto não seriam descobertos, mas sim criados.

Como eles já estariam operantes na própria racionalidade humana, também não seria uma criação do nada, como se fosse uma invenção que cada sociedade poderia fazer, seria uma estrutura própria da racionalidade ou da linguagem humana.

Blog: A ética seria então uma espécie de substrato lógico, formal?

Delamar: Essa é a pretensão, que deveria ser aceito por todos independentemente do tempo e do espaço. Nós devemos nos perguntar no particular se achamos os direitos humanos válidos só para nós. Talvez, culturalmente você pense que os direitos humanos não sejam o conteúdo, mas você não abdica da idéia de que uma norma moral, se ela é correta, deve ser válida universalmente.

Parece que o grande problema moral ou ético atualmente não seja tanto a formulação de critérios no âmbito da ética prática.

Na bio-ética, por exemplo, são quatro os critérios: da liberdade, da beneficência, da não-maleficência e da justiça. A aplicação é que se torna problemática, como o caso do aborto. Se usarmos o critério da liberdade, a mãe pode abortar; mas se usarmos da maleficência ou da justiça, quem sabe você não possa permitir o aborto. Afinal, há duas correntes, a utilitária e o kantismo. E nós, às vezes, resolvemos questões nesses princípios, nesses critérios.
Blog: Mas nós resolvemos questões morais.

Delamar: Nós temos que resolver, na verdade mesmo que você, moralmente, eticamente, não resolva a questão do aborto, o Supremo [Supremo Tribunal Federal] terá que resolver. Então essas questões não ficam esperando no limbo.
E assim elas vão se fundamentando, como o processo de escravidão, por exemplo. Se você pensar que Aristóteles admitiu que existia o escravo por natureza, então dá pra pensar que haja uma espécie de evolução moral. Essa evolução moral é inclusive confirmada pela psicologia do desenvolvimento moral, na linha do Piaget. O correto poderia ser aquilo que é universal e que vale independentemente da sua cultura.

Kant achava que você não deveria mentir nunca e o Benjamin Constant, liberal do século XVIII, dizia que a gente deveria mentir pra salvar a vida de alguém.

* Chefe do Departamento de Filosofia da UFSC
Foto: Vitor Santos

0 Comentários :

Postar um comentário

<< Home